quinta-feira, 29 de abril de 2010

Simplesmente Maria



No brilho de metal oxidado,
do cabelo
o suor lambia-lhe
cansaços,
o relógio de ponto
avança,
sem hora marcada
a máquina não
pára
na rua cinzenta da cidade,
ganha-pão
pão não tem,
o ponto avança
avança o ponto
sem passado
nem futuro,
eles papam tudo
tudo papam
mudam-se os tempos
e não muda nada

…mataram-lhe um sonho
a sangue frio…

quinta-feira, 22 de abril de 2010

«Puramente quimérica» - Parte I


O teu rosto fedia a “Besta” incompleta puramente quimérica, de olhos rasgados em genitais desejos promíscuos. Queimavas o meu útero de menina nas entranhas da seriedade do teu porte burguês como se bebesses num trago só, toda a minha chaneza.
O meu sangue salivava a tua gargalhada, exibindo o dente de ouro que roubaras de outra virgindade …como pudeste pensar que uma menina como eu te daria tanto prazer se apenas me obrigaste a ser mulher …suicidei a cólera que me possuía e possui-me da polidez.

Não me deixei cair na mesquinhez de lamentações fúteis, os meus olhos negros escondiam uma menina órfã que rapidamente moldava uns belos seios de mulher, desejei-os antes de os entregar à ira da mediocridade dos ladinos. Quis ser a primeira a tocar-lhes; sem pudor despi-me em frente ao espelho, (única peça que adornava o meu quarto), suavemente deslizei os dedos sobre os meus mamilos adornados de seda, endurecidos de deleite pediam-me que me penetrasse, e, num vaivém de uma dança mística amei o meu corpo pela primeira vez, brindei-me com um cocktail de sabores delirantes.

Finalmente tinha-me encontrado com o meu corpo, ergui-o da vegetação, da pena incondicional a que o entregara com nojo de ser mulher. O mundo da “Besta” incompleta que me paralisara tinha fenecido, no momento em que pari a própria vontade de me parir; jurei não rezar mais hóstias bolorentas nem jejuar a fome da impunidade de um cão que se ajoelhava na missa à caça de mais um petiz para o seu cardápio. Voltei pela última vez ao adro da igreja, precisava de olhar-lhe, (no olho que ainda lhe restava), nesse preciso instante tive a certeza que o seu sadismo não coligia rostos.

A igreja continuava intocável, ajoelhei-me aos pés da minha meninice, enquanto um pai-nosso saía a ferros da boca do inferno dos mais devotos, todos comiam o corpo de Cristo, e, bebiam sagazmente os meninos do coro em glória a Deus. O padre bajulava os feitos da caridade do seu rebanho negro, abençoava-os com a carne mais tenra, a mais pura, com que ostentava a sua divindade em benefício do próximo.
A missa terminara; os in(fiéis) cumprimentavam-se, assim mandava a palavra do senhor.

Mathilde Gonzalez - pseudónimo literário de Conceição Bernardino

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Papa aqui papa acolá…



Nem a galinha põe o ovo
nem o menino papa-o todo,
agora sem papa
nem ovo,
o menino é papado
por qualquer suíno
no curral da sacristia,
água benta e caridade
em sagrada homilia
o suíno papa o menino,
os papões papam também
encobrem a pedofilia
benzem o suíno e,
dizem amem

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Pedras da Calçada




Ouço os murmúrios das pedras da calçada
nas palmas das minhas mãos calejadas,
vou esculpindo uma metade de mim em arte
mas a outra metade fica sem abrigo,
na escultura de um calceteiro definhado.

Ajoelho-me nas formas lineares...
...granito, mármore, granodiorito,
cinzelo-as, como se fosse a minha opulência.

Deixo-me levar pela alvorada boreal,
parte de mim morrerá sobre as pedras
de um simples calceteiro rústico,
mas a outra se imortalizará em musas
lavradas nas calçadas...