domingo, 15 de agosto de 2010

As palmilhas do senhor professor

Era uma vez, não!

Não era uma vez, já era para aí a terceira ou a quarta vez que os sucessivos desaparecimentos se repetiam.

José das Adornas era professor de aeróbica num albergue de cinco estrelas carentes, perto do Formigueiro, uma aldeia pitoresca de moças ainda puramente virgens.

Gostava de mostrar os seus pequenos dotes, que a barriga choruda toldava.

O placebo provocava efeitos colaterais no bailinho que a junta de freguesia organizava, todas as quintas - feiras, para entreter o povinho da aldeia. Já o tratavam por professor Pablo Vai Dez, o marmanjo ensinava qualquer uma a dançar o vira, e não é que elas viravam mesmo, algumas até viravam a carga ao mar. Mas quando a modinha virava para foxtrot, o boy sentia-se o Geme Bundas das redondezas.

Ludovina meia-irmã de Josefina, alunas do dito, entravam constantemente em conflito, ambas queriam, deitar-lhe a mão.

Josefina a mais velha costurava para fora, adorava o corte e cose na casaca, passava a vida a pintar a macaca, conflituosa e convencida, fingia-se de Madalena mas nunca arrependida, já Ludovina, a mais nova cuidava das vacas lá do pasto e dos queijinhos Zeca. Como sofria ao ver os pequenos triângulos com o nome do seu amado professor, e de vez aquando lá metia um ao bucho.

Chegado sábado a felicidade das rabelas pomposas, estava no auge, era dia de aulas, Ludovina andava sempre prevenida com os seus evax’s, não fosse a tia chegar sem aviso prévio e estragar-lhe a dança da semana com o seu Adornas. Como Josefina era desleixada, qualquer trapinho lhe servia, bem pespontado nada se via.

As puritanas estavam todas em collants, bem aprumadinhas com as suas respectivas sapatilhas a reboque, quando subitamente o professor ripostou:

- Meninas façam exercícios ao menisco que eu tenho que fazer um telefonema urgente.

Soltou-se o coro das duas eleitas:

- Sim Senhor Professor.

O petulante Adornas nunca demonstrou as suas fraquezas, não podia, ele era o senhor doutor dos pezinhos de lã. Toda a aldeia o tinha como um cortês, de bom dote e pote também.

O que diriam os aldeões e as puras raças ao descobrirem que o Bundas tinha a sola das sapatilhas furadas? Isso jamais poderia acontecer, perderia uma das donzelas finadas, perderia o dote que João da Rambóia lhe prometera se cassasse com sua filha Josefina. Embora este cassasse com qualquer uma desde que o dote ou o iate fosse bem recheado.

Tinha que tomar uma atitude urgente, as dores nos calos aumentavam como o livro do merceeiro, até que se lembrou…ao ver o saco de pensos pousado nos vestuários, enfiou dois em cada sapatilha e tratou de se prevenir com mais quatro, para quando aqueles se gastassem.

Resolvido o problema, voltou com um sorriso de alívio, como se tivesse mamado no peito da cabritinha do Quim Barreiros, música que tocava no momento da sua chegada.

- Meninas!

Vamos lá, começar, um, dois para a esquerda, dois, um para a direita, levanta, estica e estreita.

- Professor? Interrompe a corte e cose.

- Sim, menina diga lá?

- Acha os meus ténis confortáveis?

- Sim, sim e como são confortáveis! Divagou o Adornas aliviado dos joanetes.

- Como!!!???

- Sim menina, esses ténis são muito confortáveis e apropriados para a dança.

Mas vamos lá e não me interrompa mais!

Terminada a aula e de volta aos vestuários, queijeiras, apercebe-se do roubo e como a sua meia-irmã andava com os finados da tia, desatou à mugi dela:

- Ladra, invejosa, reles, vais-mas pagar bem caro, sua badalhoca, sempre teve ciúmes de mim, por ser vaca honrada…

A costureira levanta-se, a manda-lhe com o paninho nas bentas com o pespontado meio avermelhado:

- Pega lá esta para não dizeres o que não sabes, agora já sabes o que é um red fixe.

Eu ciúme de ti? É comigo que ele vai casar! Tu não me suportas por isso, é comigo que sou bainha bem vincada.

José das Adornas ao ouvir tal confusão, antes que se lhe acabassem as palmilhas pôs-se a milhas… na aldeia do Formigueiro ainda se fala das irmãs zombeteiras, que espantaram o professor prodígio por causa duns pensos sem abas.

As pobres coitadas, ainda hoje descabelam-se, por causa das palmilhas do senhor professor.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

O Dom Queixote e o Sancho Prancha

Dom Queixote perdera o juízo na rua do Sobradinho lá prós lados da Vila de Cima, queria ser reconhecido a todo o custo, nem que fosse à lei do estandarte.

Dizia-se senhor das palavras escritas, que Camões colheu, dos feitos do Gama e do Infante, do Bocage, o alucinado herdara o penteado.

Um dia jurou vingança, pediu ajuda ao seu fiel mano Sancho Prancha, um lavrador vindo da parvónia, que confundia nabos com nabiças.

Este aceitou de imediato o pedido do Viriato desde que lhe pagasse umas feriazitas na Ilha dos Gormitis, onde habitam uns monstrinhos com falta de sal na moleirinha.

Fizeram-se à estrada mas ninguém lhes deu boleia, a pobre da Mula já não andava, nem de frente nem de lado, sentia-se cansada, sofria de má circulação e de cólicas renais, tinha passado o dia anterior na feira de Anais. Servia de poiso para regalar uns postais, fotos e caricaturas, era Mula estimada, fidedigna e recatada, sócia número dois da cooperativa das Mulas de Cima.

Dom Queixote iria até ao fim ou não fosse cavaleiro pedante. Subitamente avistou um grupo de idosos acabados de chegar numa excursão da Póvoa de Lanhoso, mas o alucinado era tão ranhoso que disparou uns quantos livros de outros escritores menos lidos, aos quatro ventos da Penha.

- Prancha, Prancha ao ataque olha lá estão eles, os cobardes que me querem roubar a literatura. Como são fortes e barrigudos devem ser castelhanos, atira-lhes com o Neruda ou com o Salvador, que eles piram-se já daqui.

Prancha aparvalhado, respondeu:

- Meu amo repare bem, são um grupo de idosos que visitam a nossa Penha, que mal nos podem fazer?

- Não meu fiel trapaceiro!

Para além de burro és parvo como a pêra rocha, não vês o que os gajos trazem na mão, espadas de vários tamanhos, vamo-nos a eles.

No meio de tanta confusão o pobre alienado e o seu fiel saloio foram parar à cadeia de Santa Cruz do Bispo, Dom Queixote estava deslumbrado com tanta cortesia, lá encontrara amigos de infância. O Pessoa que era carteirista nas praias de Famalicão, Antero que falsificava documentos a pagantes, e o Pessanha mais conhecido por peçonha, porque parecia langonha colado à malvadez.

Prancha fazia contas à vidinha, era melhor dizer amem com o Queixote do que perder o dote, ou não fosse também esfoliado por um louco, que trazia uma maçaroca à cintura e dizia a toda a gente que era o punhal de Romeu, aquele, das omeletas.

Mas como poderia Dom Queixote desistir de tão vil literatura e enfrentar a sua amada e doce amargura, Maria do Alvoroço, que passava a vida a salgar patas de presunto e chispes prà que te quero.

Como iria ele encara-la, e comprovar que não foi ele que escreveu as “Tábuas da Lei”?

Que afinal foi um fulano que tinha a mania que era superior a ele, e que jamais o conseguiria destruir…

Maria do Alvoroço não iria compreender, como consegue um fulano escrever linhas tortas e ser melhor do que ele, e logo ele que sempre escreveu tão certinho e direitinho, era tão perfeito, até parecia faze-lo em cadernos de duas linhas.

Nem pensar tal injúria.

Não tinha outro remédio, Dom Queixote, se não voltar, e contar-lhe a verdade, pobrezito ao assumir que assim era perderia o comando.

Tinha que ser, e lá ganhou coragem o homenzito:

- Maria afinal o comando não é MEO é TEO!

- Eu bem que desconfiava Queixote, ora então quem manda aqui sou EO!

Vai lá salgar umas rimazinhas que eu cá me encarrego de apimentar esta gentalha das (litra) turras.

Vai, vai…