terça-feira, 26 de outubro de 2010

ainda ontem saltei o muro de Berlim





Dói-me a morte

nesta réstia de vida que desconheço

onde os rostos desfocados

se reproduzem na cal,

em papéis impressos num registo qualquer

onde habita o medo,



ainda ontem saltei o muro de Berlim


A paisagem decompõe-se

e outro muro mais alto se levanta

nesta terra improdutiva,

onde os ossos são visíveis a olho nu.



Levem-me este corpo

onde a vida pernoita, em limos incendiados

tolhida no último fio de tinta,



ainda ontem saltei o muro de Berlim


segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Retalhos IV



Calei-me nos retalhos enlaçados em febris pontapés, recebidos pelo instinto animal que se apossava do meu corpo. Quantas vezes me viram no covil dos bichos-do-mato, não me reconheci, não me reconheceram. O sol passava ao lado de um vulto brutalmente desconhecido, as mãos agarravam-se ao desespero num grito tolhidamente mudo, na boca os hematomas mastigavam os olhos, totalmente visionários da imagem que os tragava.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Hei-de arrancar as palavras com os dentes



Hei-de arrancar as palavras com os dentes
Espremê-las, uma a uma com a saliva que me resta
Hei-de suportá-las mesmo que me cortem a língua
E a sirvam aos cães pródigos da benevolência, a ira

Saberei à mesma escrevê-las
Nas flores de Maio, em pleno inverno
Antes do romper da frígida madrugada
Em punhos feitos de mármore escarlate

Hei-de desenhar nos escarros desta liberdade
Os nomes a carvão, onde Auschwitz calou os seus

Hei-de levantar a voz, engolir a palavra em seco
E vomitá-la onde a surdez, a cala, corrupta