quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Gritos mudos II



Não me deixei cair na mesquinhez de lamentações fúteis, os meus olhos negros escondiam uma menina órfã que rapidamente moldava uns belos seios de mulher, desejei-os antes de os entregar à ira da mediocridade dos ladinos. Quis ser a primeira a tocar-lhes; sem pudor despi-me em frente ao espelho, (única peça que adornava o meu quarto), suavemente deslizei os dedos sobre os mamilos adornados de seda, endurecidos de deleite pediam-me que me penetrasse, e, num vaivém de uma dança mística amei o meu corpo pela primeira vez, brindei-me com um cocktail de sabores delirantes.
Finalmente tinha-me encontrado com o meu corpo, ergui-o da vegetação, da pena incondicional a que o entregara com nojo de ser mulher. O mundo da “Besta” incompleta que me paralisara tinha fenecido, no momento em que pari a própria vontade de me parir; jurei não rezar mais hóstias bolorentas nem jejuar a fome da impunidade de um cão que se ajoelhava na missa à caça de mais um petiz para o seu cardápio. Voltei pela última vez ao adro da igreja, precisava de olhar-lhe, (no olho que ainda lhe restava), nesse preciso instante tive a certeza que o seu sadismo não coligia rostos, havia de mata-lo da mesma forma que ele matou a criança no túmulo do meu corpo.

Conceição Bernardino

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

já não sinto medo, amor…






Já não me deito nas acácias do teu corpo

nem me visto, nas giestas dos teus braços

onde o bosque se calou na solidão, amor.


Abraça-me, sinto frio…


As violetas que colho nos teus olhos

calam-me a dor minguante,

em pequenos cristais de sal, melodiosos


Já não sinto medo,


Corto com a lâmina de vidro, os glaciares

de velas,

que velam por mim,

num jardim de gerberas perfumadas,

aromas de nós, ainda desconhecidos.


Aceita-me, como uma açucena,

despe-me pétala a pétala

até que o caule encontre,

a raiz de um poema só nosso.


Conceição Bernardino