quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Rasgo o céu no meu peito




Termino-me na manhã que não chega,
nas ruas de terra batida, onde os meus passos já não deixam marcas.

Rasgo o céu no meu peito
à procura dos gritos esfomeados,
dos melros que esvoaçam nos pinheirais da minha inocência.
As cartas eram escritas com letras acetinadas sem direcção,
lavradas na terra em folhas de hortelã,
o tempo esgueirou-se do meu olhar adocicado,
roubou-me as papoilas,
onde eu repousava o cálice compassivo da vida.

Rasgo o céu no meu peito
aonde as esmolas são dadas sem caridade,
como quem apregoa hipérboles decadentes
nos murmúrios das fontes, enfadadas pela alcoolemia
das larvas dos meus braços, à espera da metamorfose
obsoleta das palavras que estrugem na boca do inferno.

Termino-me na manhã que não chega,
e renasço na chegada onde me termino.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Olha-me sem me veres…



Olho-te sem pudor de tão impúdica que sou
viver é um evento obscuro de uma beleza tão rara
que afaga a própria existência do que não existe
olha-me sem temeres o que já não temes.

(Inventa-me de novo no teu esplendor)

Não me olhes ao espelho onde a minha imagem
já não projecta reflexos
nem me guardes como uma bíblia sem salmos
quero-me assim límpida para te profanar
na imortalidade dos mortais.

Procura-me nas forças do mundo intangível
onde nos encontramos intactos
de qualquer frugalidade imediata
leva-me mas olha-me sem me veres.