terça-feira, 15 de novembro de 2011

Este país não é para ignorantes


  


Na sexta-feira passada na taberna do tio Manel ouvi os meus compinchas da bisca falarem da Manif. Geral, curioso perguntei ao Tono azeitonas se era alguma festa daquelas que um gajo leva a patroa e dá um pezinho de dança mas nem ele sabia ao certo. O Artur da Rolha que tem a mania de se armar em esperto só porque enfia a rolha ao pessoal à custa da batotice, disse que era a inauguração de uma loja. Quando cheguei a casa a minha Alzira já tinha o tacho pronto, falei-lhe do assunto mas ela estava mais interessada no capítulo cinquenta e quatro da novela das vinte e uma, fui obrigado a berrar para o raio da mulher me ouvir mas pelo jeito quem me ouviu foi a vizinha, a velha veio-me bater à porta para eu falar mais baixo que queria bater uma soneca.
Fiquei com a Manif. enfiada na carola assim à primeira vista o nome soava-me a banco mas depois pensei se derem umas agendas e coisa e tal já não é mau de todo. No sábado levantei-me pela fresca e pus-me a caminho apanhei a carreira das oito no apeadeiro da Sardinha e lá fui eu para Lisboa.
Quando lá cheguei entrei num edifício muito alto e perguntei a um velho que estava sentado num sofá cheio de estilo onde era a Manif. o homem olhou-me de lado e respondeu:
- Aqui é o Ritz o Manif. não conheço.
Pensei com os botões das minhas ceroulas, o velho só pode estar a gozar com a minha cara, olhei-o novamente:
- Ò senhor por acaso não está a gozar com a minha cara pois não? Então na minha terra não se fala de outra coisa, da tal Manif. Geral e o amigo está a dizer-me que não conhece, haja paciência.
- Ah essa coisa não é aqui é na praça Marquês de Pombal, (comuna da merda).
- Bem parece que já nos entendemos, obrigada mas disse mais alguma coisa?
O velho nem me respondeu, virou as costas e retirou-se, deve ser daqueles que não sabe o que é uma rica bisca mas pronto cada um é como cada qual.
Lá consegui chegar ao Marquês das Pombas e nada, nem sombra da Manif. nem anúncios com setinhas ou aquelas que dizem desvio, mas que grande porra e agora? Bem só me resta…
Olhei para o lado estava mesmo ali um homem com umas grandes barbas sentado numa caixa de papelão, nem é tarde nem é cedo aqui vai:
- Bom dia senhor, diga-me uma coisa é aqui a Manif.? O homem riu-se às gargalhadas:
- Quem a Geral? Sim amigo mas está fechada só abre às duas e meia, o melhor é beber um copito e encher o bucho que isto vai aquecer.
- Já reparei, vim cheio de roupa e aqui está calor, lá na Sardinha o tempo estava a mudar de cara e quando chove, chove por todo o lado mas muito obrigadinho.
- Olhe amigo o tempo é igualzinho aos políticos não chovem nem deixam chover, não sei se entende. Olhei meio aparvalhado e fiz de conta que entendi:
- Ah sim claro, mais uma vez obrigadinho.
Políticos? Quem são esses? Deve ser alguma piada aqui de Lisboa o melhor é encontrar por ai uma tasca onde possa dar ao dente que o rato já aperta.
Olhei para o cebolas, possa ainda só são onze para as meias sou mesmo burro podia ter perguntado lá ao Tono a que horas abria a Manif, agora ando aqui a matar moscas, ena pá tantos chineses, isto é que estamos a evoluir, parece aquelas ruas que dão nos filmes até vendem espadas de Sá Morais antigas, dava cá um jeitaso para cortar as silvas lá da horta.
Ora, ora já passeie, já matei o bicho são duas para as dez o melhor é despachar-me antes as portas da Manif. abram e apanhe uma carrada de gente à minha frente. Hei caramba tanta gente não devia ter saído daqui, espera tanto barulho está tudo aos gritos, já deve ter dado confusão o povo não pode ver nada à borla, tantas bandeiras até parece que vão receber o papa. Cheira-me a esturro é melhor perguntar aqui à dama que berra mais que a cabra do Mingas da côdea o que se passa:
- Boa tarde minha senhora está fila para a abertura da Manif.?
- Desculpe, eu entendi bem ou o senhor está a gozar com a minha cara?
- Ò minha senhora sempre fui um homem respeitador, que o diga a minha Alzira que casou virgem, eu venho da Sardinha e não entendo o porquê de tantas bandeiras e dos berros, será que a senhora podia-me informar se é por causa da Manif? Afinal que tipo de loja abriu, não tem brindes para toda a gente é isso?
Senti que a mulher cada vez ficava mais arreliada, só lhe faltava deitar fumo pelas bentas. Que estava eu a fazer de errado?
- Ouça lá o senhor não sabe ler? Não sabe o que é uma manifestação? Vá dar uma voltinha até ao jardim zoológico, vá dar de comer aos patos.
- Pois minha senhora fique sabendo que sei ler muito bem embora tenha um problema num olho, não é à toa que lá na terra me confundem com o Camões aquele que escreveu as Maias por isso a minha alcunha de Miro zarolho ou a senhora pensa que lhe estava a piscar o olho esquerdo só porque ando com ele meio pisco. Manifestação? Qual a dos vinte cinco, deixa-me rir agora mudou de data, saiba a senhora, nessa altura tinha entrado para a tropa, ajudei na revolução era telefonista no quartel e sabe quem levou com os que eram contra os vinte cinco? Pois, pois foi cá o Miro, nunca ouvi tanto palavrão junto mas enchi o livro conforme mandavam as regras. Eu lá preciso de ir ao zoo não sei das quantas dar de comer aos patos se faço isso lá na minha horta todos os dias, a senhora está a ser muito mal-educada com a minha pessoa.
- Acha? Você trabalha? Sabe o que o governo nos está a fazer ou também não vê os noticiários lá na sua terrinha? É preciso ter paciência para aturar
tanta ignorância de uma só vez e ainda me chama de mal-educada? A sério vá visitar o museu dos Jerónimos que o senhor está no sítio errado.
- Eu sou agricultor dos pequenos embora neste momento esteja desempregado a termo incerto, já estou a ficar enervado, a senhora chegou aqui há pouco eu já cá ando desde manhã, pois fique sabendo que enquanto esperei que a Manif. abrisse passei por imensas lojas que diziam “liquidação total”, entrei em todas e perguntei se tinham trabalho para vender e sabe quais foram as respostas que me deram, sabe? Que estava esgotado e agora tem resposta, tem? Governo? Não sabia que neste país havia um governo os meus compinchas da sueca passam a vida a dizer que andamos todos desgovernados desde dos setenta e quatro, por acaso não sou muito de ver televisão, só mesmo quando dá bola, mas ouço muito a rádio da renascença principalmente quando dá os discos pedidos, eu nunca pedi nada, não gosto de pedir nada a ninguém, vivo com o que tenho e com a graça de Deus. Onde aos Jerónimos? Sempre gastei da mercearia do senhor Abreu não gosto desses supermercados grandes que vende gato por lebre, olhe aproveite a senhora e cumpra o com o que trás ao peito nesse colante “Eu vou! E tu não?”, vá lá e aproveite os saldos dos Jerónimos.
A porra da mulher levantou o pau da bandeira apontou-o na minha direcção só tive tempo de levantar a bacia que comprei prà minha Alzira e catrapumba, a porcaria da bacia desfez-se em duas, lá se foram os meus quatro euros, arre ninguém diga que está bem. Só parei na Sardinha que é terra sossegadinha. Comprei uma agenda na vinda e lá consegui convencer os meus compinchas que a Manif. Geral era uma agência nova dos vinte e cinco dos setenta e quatro.

Viva o povo, viva os direitos humanos!   



 PS: este texto é uma crítica ao governo em tom sarcástico, peço desculpa aos mais sensíveis              

Conceição Bernardino

3 comentários:

rosa-branca disse...

Olá Conceição, pedir desculpa aos mais sensíveis?...Só se forem os ministros e aquela corja toda, que só arranja soluções a roubar ás claras dos bolsos dos contribuintes...esses podem ser sensíveis, coitados! Nós a outra parte só temos é que reclamar para ver se nos ouvem. Texto muito bem elaborado e com sarcasmo q.b.. Adorei.
Tenho lido vários textos seus e é sempre escrito no fio da navalha. Admiro quem assim escreve e consegue dizer as verdades tão sábiamente. Beijos com carinho

David Santos disse...

Olá, minha querida filha!
É verdade! "Este País não é para ignorantes" nem para honestos ou inteligentes.
É para corruptos, boys partidários, vigaristas e, pelo que se consta ultimamente, assassinos.
Eu vou regressar um dia destes…
Abraços deste teu pai, que jamais te esquecerá, David Santos

Fanzine Episódio Cultural disse...

Revelo-me ao Pânico

Catapultado me sinto,
Adverso ao perigo
E à misericórdia dos deuses.

Legado ao isolamento me encontro
Ostentando minha ansiedade faminta
Silenciosa e vingativa
... Enlouqueço.

Rindo feito um parvo
Meu juízo me expulsa.
Bebo na fonte da insanidade
Enfraquecendo meus neurônios livres.

Revelo-me ao pânico
Correndo em todas as direções
Em busca do caos
Ora organizado, ora sem nexo.

Caminho perdido,
Redescobrindo um mundo novo,
Um lugar incerto, inconsciente,
Onde o tempo não se faz presente.

Cá estou eu entre quatro paredes,
Refugiando-me na minha própria loucura,
Ora submetido em uma camisa-de-força,
Ora entre depósitos nauseabundos.

*(Agamenon Troyan)